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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A oficialização da favela como centro do Brasil

No Brasil, periferia está virando Centro. E o Centro é a nova periferia. É o que eles dizem, na verdade, estamos criando muros invisíveis que nos dividem e separam cada vez mais. Ou, a República Federativa das Tribos Brasileiras.

O Fantástico, da rede Globo, levou ao ar no último domingo uma reportagem sobre a felicidade quase unânime entre moradores de favela. Foram pesquisadas 63 favelas em todo o país, e apontou também que entre os moradores dessas áreas 32% gostariam de sair da favela, enquanto outros 66% não saíram nem que ganhassem 1 milhão de reais. Esta é apenas uma reportagem entre tantos artigos, estudos, reportagens especiais, que tentam emprestar às favelas, ou melhor, comunidades, a imagem de locais onde as pessoas são mais felizes e solidárias. Nestes locais, a sociedade é mais amigável, vizinho de tão próximo acaba virando seu parente, ou todos cuidam de todos:

O que há de bom em viver em uma favela? “Eu prefiro ser rico entre os pobres do que pobre entre os ricos”, diz o agente comunitário José Fernandes Junior.

E se chovesse dinheiro? “Não saio não. Vou pra onde? Um milhão eu trabalho e consigo”, diz Adriano Castro. 



Diferente do que a reportagem coloca, o que se observou nos entrevistados é um orgulho resignado. Uma atitude de auto-aceitação e conformismo, e um sintoma muito claro de uma sociedade baseada no status econômico. A favela reproduz em seus limites, a estrutura social brasileira, em que a posição e importância na sociedade de um indivíduo é definido por sua conta bancária. Ele não sai da favela porque no morro ele faz parte do topo da pirâmide social, e no asfalto ele estaria apenas na base da pirâmide. O Adriano Castro, logo em seguida complementou o raciocínio. 
(...) Em Porto Alegre, o problema é o que fica do lado de fora. O cano de água potável não é da companhia de abastecimento. É um gato. Foram os moradores que fizeram. O mesmo acontece com a eletricidade. Tudo é gato. A companhia de energia não chega na comunidade. Mas a penúria e a escassez ficam do portão para fora. Do portão para dentro, a gente consegue ver com clareza o contraste entre a ausência do Estado e a presença forte das pessoas e das famílias.
Tudo tinindo de novo. Em cada cômodo, o mesmo capricho. Mas como manter o que as pessoas compram funcionando direito?
A dona de casa Silvana Damasceno ficou um dia inteiro sem água. “Agora que está vindo. De dia não tem água e de noite não tem luz”, conta.  “Agora que deu sinal de vida. Hoje eram duas horas da manhã e não tinha água”, completa.
Com a energia é pior. Silvana usa o ventilador como medidor de eletricidade.
Fantástico: Quer dizer que se o ventilador está rodando forte, a senhora corre para ligar a máquina de lavar?
Silvana: Isso!
Fantástico: Que é sinal que a energia está boa?
Silvana: Está boa.
Fantástico: E se ele tiver fraquinho a senhora deixa a roupa acumular?
Silvana: Aí nem pensar.


O pessoal vai levando (...)

Esta é a favela-maravilha onde todos desejam viver. As pessoas não têm acesso a serviços básicos como água encanada ou eletricidade. As ligações são clandestinas - estaria o Fantástico incentivando todos a fazerem o mesmo? - e as pessoas precisam conviver com a precariedade do fornecimento, como Silvana quando precisar lavar roupa. Imagina a decepção de Dona Silvana quando a eletricidade está "boa", mas, falta água.
A pesquisa do DataPopular mostra justamente que as pessoas estão saindo cada vez menos das favelas para se divertir.
“Pensa bem: eu estou perto de casa, não vou gastar muito dinheiro, estou mais seguro aqui do que fora. Então para que sair para fora?”, questiona Diego.
(...)
Fernandes é um especialista em diversão na favela. “Diversão é encontrar pessoas, é encontrar o outro, é se identificar, é vivenciar coisas bacanas, é criar amizade, é agregar os amigos à tua vida”.
O que interrompe esse encontro, às vezes, é a tensão gerada pela violência, como no tiroteio que houve na Rocinha, na madrugada de domingo (16).
Os moradores da favela mostram as razões para que as pessoas evitem sair das favelas, e pelo visto não é pelos motivos que a reportagem tenta colocar. Encontrar pessoas, encontrar o outro, se identificar, vivenciar coisas bacanas, criar amizade e agregar amigos à vida, não são coisas exclusivas da favela. Acontece em qualquer localidade entre pessoas de qualquer classe social. Ou será, que moradores do centro ou ricos quando se reúnem não o fazem pelo mesmo motivo?
O que fica evidente pelas palavras do jovem Diego e o tiroteio ocorrido no domingo 16, é que as razões pelas quais os moradores de favela saem cada vez menos da comunidade é o custo de deslocamento nas grandes cidades, tempo parado no trânsito, precariedade dos transportes públicos, preço das tarifas, aliado à violência em nossas cidades. Afinal, com tanta insegurança é bom sempre estar perto de casa quando qualquer coisa ocorrer.
(...) Mas qualquer que seja a diversão, ela é sempre comunitária. A pesquisa mostra que 70% dos moradores recebem amigos, parentes ou vizinhos todos os meses.
“Acabou seu açúcar, acabou teu café, tu chega na tua varanda e grita para o vizinho: me dá aí, me dá uma xícara disso, me dá uma xícara daquilo. É você, às vezes, interferir no estresse da casa do outro e conseguir apaziguar, isso você não encontra num condomínio. Essa intimidade, esse valor de estar junto, esse carinho com o outro, você só encontra em comunidade”, destaca Fernandes.
Há uma clara percepção de que isso não acontece quando se desce o morro.
Exatamente, é uma questão de percepção, e equivocada. Quem ver a reportagem e não mora numa favela deve se perguntar onde moram os repórteres responsáveis pela matéria. Seriam todos os condomínios do Brasil locais onde vizinhos não se cumprimentam, não se conhecem, não se ajudam? Penso que muitos moradores de condomínios sentiram-se discriminados com a afirmação.
A fala atribuída ao sr. Fernandes é um indício do que a glamourização da favela tem provocado na sociedade brasileira. Ao invés de aumentar a integração estamos segregando. Os pensadores de esquerda responsáveis por tal visão, estão construindo uma muralha que acaba por separar completamente a favela do restante do Brasil. A reportagem leva a concluir que tudo leva a crer que a continuar as coisas como estão um favelado nunca mais sairá da comunidade para nada. Haverá então uma inversão, moradores do asfalto é que se deslocarão para as favelas, para comer um churrasquinho na lage, talvez. Aliás, a própria emissora tem estimulado a ideia em seus programas. Há alguns anos, todos os anos somos apresentados à belíssima visão da queima de fogos em Copacabana, vista de uma lage na rocinha, que cobra valor semelhante a hotéis badalados do asfalto. Existe até city tour cujo roteiro é a favela.
O sr. Francisco, no entanto, aponta para a verdade, que o Fantástico não conseguiu perceber: 
“A felicidade está na gente. Está na gente, está na família. É por isso que eu acho que gente pobre, se saber viver, acho que é mais feliz até em certos lugares”, finaliza Francisco.
A felicidade não está ligada a morar na favela ou no asfalto. É algo subjetivo, relativo, que diz respeito a um estado de espírito. Aquelas pessoas não são felizes por serem faveladas, são felizes apesar de faveladas. Tivessem a mesma disposição de espírito morando no asfalto seriam igualmente felizes. 
O que reportagens deste tipo tem conseguido é criar uma sociedade dividida e resignada. Como a própria revela, as condições de vida na favela são precárias, faltam serviços básicos e a violência é um problema sério. O que temos visto é a construção de uma barreira invisível, psicológica que separa os brasileiros pelo seu local de origem. O que se observa é que os estimuladores deste novo Brasil adoram a favela quando esta se limita a favela, é tão bonito ver um favelado quando está em seu habitat natural, no fim do dia ainda preferem voltar ao asfalto para morar.
A razão para que tantos moradores de favela desejem permanecer vivendo num local precário foi apontado pelo José Fernandes Júnior no início do texto. Para que um indivíduo sinta-se parte de um determinado grupo social não é apenas a situação econômica que conta. Hábitos culturais, nível educacional, a sensação de pertencimento também influenciam. Estamos perdendo a capacidade de convivência com a diferença. Vamos nos reunir cada vez mais entre os iguais.
A reportagem deixa implícito, os favelados querem ter o mesmo padrão de vida do asfalto, querem ter o mesmo conforto que eles, possuem as mesmas ambições de status e estima, mas, por alguma razão não querem viver entre eles. Já não basta nos dividirmos em grupos étnicos, gêneros sexuais, religiosos, ideológicos, culturais, sociais, agora seremos divididos também pela topografia. Está se encaminhando a formação de um Brasil tribal, onde uma tribo não compreende a outra, apesar de todas quererem exatamente a mesma coisa.
Ah, a matéria traz um gráfico que por algum motivo não foi comentado na reportagem: O Brasil da favela é 1% menos feliz que o restante do país.
Arte felicidade (Foto: Rede Globo)
Arte felicidade (Foto: Rede Globo)

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