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sábado, 5 de abril de 2014

Cinema: Expresso do Amanhã



Expresso do Amanha é um filme que aborda um tema interessante e que apresentou diversos problemas na sua execução. De início há o problema de produção e distribuição do filme, nos Estados Unidos o filme só deve ser lançado em junho quase um ano depois de ter sido lançado na Coréia do Sul. 
A tentativa de reverter o aquecimento global provocou a era do gelo.

A direção é do coreano Jon Hoo Bong (O Hospedeiro - 2006), em seu primeiro filme em língua estrangeira. Bong também ficou responsável por adaptar o roteiro para as telas, que se baseia no romance francês Le Transperceneige. A direção de Bong é exagerada, as personagens são engessadas e um tanto estridentes. Há um festival de overacting, resultado forçado pelo próprio diretor. Contudo, ele é competente na condução das cenas. Num mundo perfeitamente equilibrado, ele constrói sequências surreais, para mostrar que no fundo nada parece ser o que é, como uma batalha frenética em câmera lenta ou a sequência de uma festa quase em absoluto silêncio. 

O roteiro é talvez o grande problema do filme. Apresenta diversas lacunas no decorrer da história sem que nunca sejam respondidas, pelo contrário, novas lacunas vão sendo abertas e deixadas pelo caminho. A composição das personagens também é falha, elas são unidimensionais, sem perspectiva, e a presença e a ausência na história são totalmente irrelevantes. Talvez por isto tudo, o filme chegue a seu final sem que crie uma conexão com o espectador, que neste ponto só espera mesmo que no fim alguma coisa seja explicada, e toda a história ganhe coerência. Nem mesmo a utilização de aspectos do nosso cotidiano traz alguma verossimilhança. A cena que remete à tocha olímpica é boa, porém forçada.
Expresso do Amanhã: A Cauda invade a Frente do trem
O Expresso do Amanhã tem seu valor. A fotografia é o melhor deste filme. A cargo de Kyung Pyo Hong, que já atuou com o diretor Bong em Mother - A Busca pela verdade (2009). Hong faz da fotografia uma personagem que interfere diretamente na história. O cenário sombrio da cauda do trem, contrasta com a luz e a claridade da Frente. Os efeitos visuais também deixam sua marca, a visão da área externa do trem é altamente realista e dá até para sentir um frio na pele. 


 O Estado que tudo controla se transforma em Ditadura Totalitária, ainda que tenha boas intenções, sua manutenção tem efeitos nefastos.


Expresso do Amanhã mostra um mundo dividido por classes bem definidas. A Vereadora Mason (Tilda Swinton) deixa claro que cada indivíduo é parte de uma classe e nela deve permanecer. A vida miserável, monocromática e imunda dos habitantes da cauda do trem constrasta com área reservada para a elite: limpa, iluminada e vívida.
O mundo na frente do trem: insipido, cheio de vida e luz
Aqueles que estão na cauda vivem sob o comando e orientação dos que estão na frente, recebem apenas uma ração diária de uma espécie de gelatina, e são regularmente contados para impedir uma superpopulação. Em troca, devem agradecer por estarem vivos, dado que estariam todos mortos congelados fora do trem. 

Ao iniciar uma rebelião, Curtis (Chris Evans) e os que o acompanham vão descobrindo um mundo do qual já haviam esquecido, ou em outros casos, como o jovem Edgar (Jamie Bell), um mundo que nunca conheceram (Edgar nasceu na cauda do trem e vive ali desde então). Os rebeldes vão encontrando pelo caminho a luz do Sol, os alimentos frescos, escolas para as crianças, festas, salões de beleza para as mulheres, bebidas, etc. 

Não tem como não comparar com os regimes comunistas e que se utilizam da luta de classes. A ideia de que os pobres necessitam de uma "máquina" que cuide de suas vidas e garantam a sua existência é bem evidente. A "máquina"  que é o governo, é uma entidade necessária para manter as coisas no mais perfeito equilíbrio. Mas, de um lado está o povo a quem o sistema se propõe a proteger, vivendo uma vida de privações, do outro estão os ricos, com sua vida sofisticada separados dos demais.

Porém, enquanto no Capitalismo qualquer indivíduo pode ir ou vir, e mudar de posição na sociedade saindo da pobreza para a riqueza e vice-versa, neste mundo controlado, totalitário, em que o Estado é o censor da vida isto, é impossível. Cada um deve permanecer em sua classe. A tirania totalitária é transformada em benevolência. E, processos de extermínio são necessários de tempos em tempos para que nada saia do seu lugar. Um tirano continua regulando as máquinas, os ricos vivendo uma vida de futilidade e consumismo entorpecidos por drogas, e pobres fornecendo a mão-de-obra que mantém tudo funcionando. Tudo isto é mantido com o Terror. É melhor continuar nesta situação a escapar dela e morrer no mundo frio e perigoso lá fora. 

O final do filme não deixa dúvidas. Este sistema perfeito, equilibrado, amplamente controlado é destruído por dentro, quase sempre por um dos responsáveis por cria-lo. E ao sair o que se encontra lá fora na verdade é um mundo arriscado e incerto, sim, mas, com liberdade e com vida.

Há quem diga que o filme tem uma intenção anti-Capitalista Liberal. Se verdade, o tiro saiu pela culatra. Porque o que ele mostra é que o Estado, representado pela "máquina" é uma câmara bizarra, onde as pessoas são mantidas vivas, mas, sem o direito de viver, controladas, alimentadas para permanecer no mesmo lugar, subservientes, servindo de sapatos para aqueles que são a "cabeça".

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Um comentário:

  1. Discordo em alguns pontos. Até entendo o unidimensionalismo dos personagens, o que na verdade não prejudica tanto o caminhar do filme. Porém, o mesmo não é pretensioso, a criação do microcosmo social dentro do trem é apenas um meio para erguer a história e enfatizar que tal sistema governamental está presente até mesmo numa ficção futurística. O filme é um recorte de uma história maior, não precisa buscar quem, como e onde se passaram os eventos para que a máquina pudesse existir: ali, a preocupação do roteiro é apenas levar os personagens do final ao início da locomotiva, contornados por uma ambientação inacreditável (o que me leva a bater palmas a forma de como a maquiagem e o cenário correspondem perfeitamente aos personagens nas situações onde se encontram). Apesar de ter gostado bastante do filme, meus problemas estão na edição durante o meio do filme (muitos takes ali poderiam ter sido reduzidos) e a condução final é um tanto desgastante, sendo que o personagem do Wilford, interpretado pelo Ed Harris, tem uma presença muito simplista, o que tornou a atuação do Ed Harris um tanto mecânica, impossibilitando que o trabalho de ator tivesse um valor maior, afinal, o filme todo roda à sombra do criador da locomotiva. O filme tem seus problemas, mas é uma grande surpresa, num elenco que demonstrou um potencial imenso. Palmas para Chris Evans e Tilda Swinton, essa última se firmando uma das maiores atrizes em trabalho atualmente.

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