Cada povo tem a sua forma de se expressar e apresentar para o mundo que revela muito sobre os seus valores, a sua atitude, as suas virtudes e seus defeitos. Normalmente a cultura e o esporte são a principal forma de expressão. E para nós, brasileiros, o esporte é a maneira principal que desenvolvemos para dizer ao mundo quem somos.
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Cafu ergue em 2002 a taça de Campeão do Mundo |
O Brasil se expressa com a bola nos pés. Mesmo para o brasileiro que nunca jogou bola, é no futebol que nos revelamos. E a seleção brasileira é a expressão máxima de nosso momento como povo. Reflete a nossa apatia, os nossos temores, a nossa ousadia, o nosso destemor, a nossa raça, a nossa ginga, a nossa soberba, ou a nossa malandragem.
E é na Copa do Mundo que mostramos para todo o planeta o que é e quem é o povo brasileiro. Olhando para a nossa seleção podemos enxergar o presente e às vezes até o nosso futuro. Seja dentro de campo ou fora dele vibrando e torcendo, é a partir do momento que acontece o apito inicial que nos unimos de norte a sul para deixarmos de lado as nossa diferenças regionais e nos transformamos num único e gigantesco povo.
A cada quatro anos, lá estamos nós, sempre confiantes em mais um título, confiantes de que não há país no mundo, dentro das quatro linhas capaz de nos vencer. Mesmo depois de derrotas dolorosas, quatro anos depois voltamos confiantes que a Taça do Mundo será nossa. Neste sentido, a Copa revela sempre este aspecto imutável de nosso povo: a esperança de que dessa vez será melhor, e se não foi dessa vez, será na próxima.
A esperança talvez seja a única coisa que nunca mude. Mas, o nosso comportamento dentro de campo há cada Copa é diferente.
Em 2002, o Brasil vinha de alguns anos de economia difícil e aquele ano de 2002 não era diferente. Vivíamos uma era de resultados pífios, mas, alguma coisa nos dizia que as coisas poderiam mudar. A seleção também veio de uma de suas piores campanhas nas eliminatórias para a Copa do Mundo. Foram várias trocas de treinadores, derrotas, vexames, perdíamos para times que nunca tínhamos sequer empatado e por pouco não ficamos de fora.
Mas, veio a Copa e num misto de talento e muito trabalho, mostramos que era possível reverter o péssimo quadro. O Brasil na Copa parecia outra seleção, completamente diferente das eliminatórias. Fomos campeões do mundo invictos, vencendo pela primeira vez na história todas as partidas, e batemos na final ninguém menos que a poderosa Alemanha e seu melhor goleiro do mundo, Oliver Kahn. Aquela seleção tinha o espírito da união e do trabalho. Cada jogo era um passo que se dava, e mais uma vitória sobre a desconfiança. Até que chegamos na final e mostramos o nosso melhor.
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França derrota o Brasil em 2006 nas Quartas-de-Final |
De 2006 para cá, o Brasil não venceu mais nenhuma Copa. Mesmo que tenha chegado a duas delas como o grande favorito. Em 2006, eramos os campões do mundo, e tínhamos um time estrelado, com os melhores jogadores do planeta. Caímos nas quartas-de-final, numa partida desastrosa contra a França, em que nosso desleixo marcou a nossa despedida do torneio.
Agora em 2014 éramos outra vez favoritos. Tínhamos sido campeões da Copa das Confederações no último ano, vencendo na final ninguém menos que a campeão mundial Espanha, toda-poderosa desde 2008. A Copa em nossa casa, contando com o apoio da torcida. Nós muito mais adaptados ao clima e às distâncias. Muita coisa jogava a nosso favor.
Até que recebemos pela frente a Alemanha outra vez. E numa humilhante derrota, jamais visto por uma seleção campeã do mundo em Copas, perdemos vergonhosamente por 7x1. E é unânime entre todos que o placar não foi maior porque os alemães assim não o quiseram. Tiraram o pé o suficiente para apenas aguardar o apito final.
Este Brasil de 2014 dentro de campo, diz muito sobre o nosso país fora dele. Vivemos em 2014, cantando os louros de anos passados. Apesar de todos os indicadores mostrarem que o quadro atual é péssimo. Respire fundo para ler de apenas uma vez: O PIB que não cresce a um nível satisfatório desde 2011, deve crescer este apenas 1%, as contas públicas voltaram a apresentar déficits que quebram todos os recordes, a confiança da indústria é cada vez menor, assim como a dos consumidores, o brasileiro volta a demonstrar preocupação com a inflação e o desemprego, a nossa balança comercial deve fechar negativa, os índices de inflação ameaçam estourar a meta, o nível de investimentos é cada vez menor, estagnou a criação de empregos, o poder de compra tem diminuído e a população está mais endividada, a venda de veículos novos está em queda, e vou parar aqui antes que você sufoque.
Ainda assim, a nossa Presidente vem sempre a público zombar dos que criticam a situação atual. No Brasil de 2014 não é permitido ser contra, ou mesmo ser a favor, mas, chamar atenção para os problemas visíveis. Se você não entra na onda do otimismo sem causa, você é um urubu. Vemos a Presidente passar mais tempo discursando contra os que a criticam, do que tomando medidas de verdade para resolver os nossos problemas.
A seleção dentro de campo é assim. Uma seleção que apresenta diversos problemas, as coisas claramente não estavam funcionando a contento, mas, ninguém podia apontar estes problemas.
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Júlio César já deu grandes contribuições à Seleção, mas, era um dos que não vinham numa boa fase. |
Os jogadores são escolhidos pelo amizade e proximidade com o treinador. Mesmo aqueles que vinham de uma temporada ruim foram convocados, enquanto outros nomes em melhor performance ficaram de fora. Em campo, jogadores que claramente não funcionavam continuam titulares, apesar dos pobres resultados que apresentam. Esperávamos que a garra e a vontade superassem a falta de preparação. O nosso time era claramente descoordenado, sem um meio campo que ligasse defesa e ataque, e tudo recaia sobre as costas de um único homem, que não demonstrou está ainda à altura de carregar este peso na Seleção Brasileira.
Fora de campo, o Brasil também parece um time descoordenado. Cada qual buscando o seu próprio caminho e tentando fazer o que pode. Ao invés de soluções verdadeiras para os problemas, ufanismo, amor à pátria custe o que custar, fé, otimismo. Tanto o Brasil de 2014 da Copa e do cotidiano parecem acreditar que com emoções positivas se resolve tudo.
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Fred e Neymar deviam ter sido os nossos homem gol |
No campo, uma seleção que entrou em campo não pelo país, mas, para jogar por um jogador, o mais famoso e badalado que não entrou em campo por estar machucado, parecia acreditar poder vencer a forte, organizada e bem preparada Alemanha apenas no grito e na raça. O nosso zagueiro, talvez ele, o símbolo mais vistoso da raça, partia para o ataque querendo resolver o jogo apenas na vontade. A Alemanha fazia aquilo que se preparou para fazer, defendia quando tinha que defender, e atacava em resposta. Encontrava pela frente uma defesa que não lhe oferecia resistência e encontrou no último jogo antes da final, a partida mais fácil de toda a competição.
Os alemães se movimentam no ataque, enquanto a defesa brasileira parecia plantada ao chão, parada, inerte, imóvel olhando o adversário jogar. Enquanto alemães se moviam para alcançar o seu objetivo. O Brasil dentro de campo agia como vem agindo fora dele: parado, esperando que as coisas se resolvam apenas por nossa vontade. Não se pode dizer que o Brasil em campo não queria vencer, e também não se pode dizer que o Brasil fora dele não quer. Mas, ficar parado, acreditando que basta a nossa vontade para que as coisas deem certo é o caminho para outra derrota humilhante.
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Alemanha 7 x 1 Brasil |
O futebol tem esta vantagem. O resultado está ali, escrito no placar, e não há muito o que pensar: 7x1 fomos vergonhosamente deitados. Fora do campo, as coisas são um pouco mais difíceis de serem percebidas. Basta ver a lista de nossos problemas atuais (e a lista não está nem de longe completa), para ver que também estamos sendo goleados no cotidiano. Mas, boa parte de nossa população, começando pela Presidente da República, parece esperar que apenas na raça e na vontade tudo terminará bem. O futebol mostrou, desta forma, não termina.
O Brasil costuma voltar melhor depois dos vexames - o Brasil no futebol. Aconteceu em 2002 depois de 1998. Aconteceu em 58 depois de 1950. Mas, de alguma forma parece que desde 2006 as coisas não mudam. A soberba em 2014, foi a mesma de 2010 e a mesma de 2006. Acreditávamos que bastava entrar em campo e a Amarelinha resolveria tudo. Há três copas voltávamos mais cedo para casa, após, partidas vergonhosas. Em todas a mesma mentalidade de governo estava em campo. Será que uma coisa tem mesmo haver com a outra?
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